Prof. Dr. Argemiro Luís
Brum
(CEEMA/DACEC/UNIJUI)
11/08/2013
O AVANÇO SOCIAL E A
CRISE MÉDICA
É
inegável que o Brasil, apesar dos graves problemas econômicos existentes,
avançou em bem-estar social desde 1994, quando conseguiu estabilizar a
economia, controlar a inflação e proporcionar um ganho de renda indireto ao
cidadão. Essa realidade melhorou ainda mais na última década (2000-2010),
segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão ligado
ao governo federal. Isso porque, além de perseverar na estabilização econômica,
os governos de então, construíram programas de transferência de renda, hoje
incorporados particularmente no chamado Bolsa Família. Graças a isso tudo, na
primeira década dos anos 2000 a desigualdade de renda entre os habitantes do
país diminuiu 80% nos municípios brasileiros. O rendimento domiciliar per
capita cresceu 63% acima da inflação no período, enquanto nos 10 anos
anteriores o ganho havia sido de 51%. Ainda mais interessante, o estudo identificou
que 58% da redução da desigualdade vem do aumento da renda obtida no trabalho e
tão somente 13% seria atribuído ao programa Bolsa Família em si. Além disso,
sem as políticas de transferência de renda a desigualdade teria caído 36%
menos. Enfim, graças a isso o bolo teria crescido mais junto aos pobres, embora
os ricos não tenham ficado mais pobres (o rendimento médio dos 10% mais ricos
de cada município cresceu 60% na média geral ao longo da década estudada). Na
prática, a diferença saiu da classe média, esta que lidera as manifestações
populares deste meio de ano.
O AVANÇO SOCIAL E A
CRISE MÉDICA (II)
Essas
são as estatísticas! A partir das mesmas, três aspectos merecem consideração
aprofundada. Em primeiro lugar, o trabalho no Brasil, desde 2012, começa a
sofrer as consequências de dois elementos: a redução na produção, pelo
esgotamento do mercado interno e a falta de recuperação externa, no contexto da
crise mundial; e a elevação dos salários, muito superior aos ganhos de
produtividade que a mão de obra oferece às empresas. Com isso, o desemprego mais
elevado já é uma realidade na maioria dos setores e a geração de empregos
diminui consideravelmente. Em segundo lugar, o país não tem condições de manter
o assistencialismo aos mais pobres sem que haja a construção de uma via de
saída, fato que agora ficou mais difícil. Ou seja, a tendência é aumentar o
número de pessoas em busca da assistência do Estado, sem que tenha havido uma
organização suficiente para formar estas pessoas a fim de postularem empregos,
mesmo em um mercado de trabalho agora mais difícil. Enfim, não basta apenas
melhorar a renda se não há serviços públicos adequados. Aliás, essa parcela da
sociedade, ao se tornar mais exigente graças à melhoria de renda, se depara com
a falta de serviços públicos de qualidade, quando existem. E nesse ponto entra
a polêmica dos médicos.
O AVANÇO SOCIAL E A
CRISE MÉDICA (III)
A
mesma se insere num contexto mais amplo. O ensino da medicina sempre foi
elitizado neste país. Na maioria dos casos, a doença virou um comércio. Tanto é
verdade que a maioria dos estudantes de medicina busca esta profissão porque
ela rende dinheiro junto ao sistema privado. E o péssimo serviço público,
apesar das conquistas obtidas nos últimos tempos, apenas alimentou tal tendência.
Por sua vez, grande parte dos médicos formados não se interessa por trabalhar
no interior por falta de infraestrutura, mesmo quando muito bem pagos em
relação às demais categorias profissionais. Não só infraestrutura para o
exercício da profissão, que tem sido uma calamidade, salvo exceções, mas
igualmente infraestrutura de vida para si e sua família. Ou seja, o governo se
preocupa com o número de médicos disponíveis, porém, não investe na qualidade
da infraestrutura disponibilizada aos mesmos para que tratem dos doentes e
atuem preventivamente. Para se ter uma ideia, o Brasil ainda ocupa a 72ª
posição mundial em termos de despesas de saúde por indivíduo. O investimento
público brasileiro destina à saúde apenas US$ 317,00 anuais por indivíduo, ou
seja, 40% menos do que a média mundial (cf. OMS). E o governo, incompetente na
redução das despesas que sustentam a máquina pública, só vê saída no aumento de
impostos para solucionar o problema, quando a história do último imposto em
data para o caso (a CPMF) mostra que apenas 35% de sua arrecadação se destinava
realmente para a saúde pública brasileira. Portanto, a crise médica no Brasil
pode ser tudo, menos a falta de médicos para atender a população. Aliás, conforme
o jornal francês Le Monde, o Brasil já possui 2.399 médicos estrangeiros,
oriundos de 53 países segundo dados oficiais brasileiros. E a grande maioria também
concentrada nos grandes centros e nas regiões mais ricas do sul do país, pois
não há salário que pague a falta de infraestrutura para trabalhar e viver.