Prof. Dr. Argemiro
Luís Brum
28/08/2014
O recente conflito
entre Rússia e Ucrânia vem provocando desdobramentos que vão muito além das
questões políticas. Na prática o mundo pode estar assistindo à construção de
uma nova geopolítica e geoeconomia mundial. Em termos gerais, a Rússia volta a
se fazer presente no tabuleiro internacional, recuperando alguns ares da antiga
“guerra fria”. Em termos específicos, a reação dos EUA e da União Europeia, em
bloquear o comércio com os russos, obriga os mesmos a acelerarem um retorno ao
comércio com o mundo subdesenvolvido, abrindo portas comerciais onde antes a
própria Rússia as havia fechado. Nesse contexto entra a liberação acelerada de
diversos frigoríficos brasileiros, especialmente os de carne suína. Antes
privilegiando o produto norte-americano, o governo russo se volta agora, pela
premência de abastecimento, aos mercados alternativos. Mas o principal elemento
em jogo, neste novo conflito internacional, é a energia. A tal ponto que alguns
analistas chegam a avançar que um “novo mapa” de poder está sendo construído
neste exato momento pelas principais potências do Planeta. O mundo sempre
precisou e precisará de energia para avançar. O desenvolvimento econômico e o
bem-estar geral dependem da oferta deste insumo. Ora, a Rússia é rica em gás e
usa o mesmo como instrumento de “guerra” contra o restante da Europa. Afinal, o
gás russo abastece de maneira importante a União Europeia. Assim, a ameaça
russa de elevar o preço do gás é levada muito a sério pelos europeus e mesmo
pelos EUA. Mesmo que, de forma geral, não se cogite de um corte no fornecimento
do insumo. Isso porque tal procedimento seria um tiro no pé dos próprios
russos. Afinal, as vendas russas para a União Europeia representam 13,5% do
volume total de suas exportações, enquanto o contrário representa apenas 1,6%
do PIB europeu. Além disso, a Rússia tem hoje no gás e no petróleo basicamente
suas únicas alavancas econômicas. Mas um aumento importante nos preços do gás
pode sim causar uma inflação importante no resto do mundo, em proporções
semelhantes, à sua época, do que foram os choques do petróleo nos anos de 1970
causados pela OPEP. Não é por nada que a China e os EUA já trabalham
alternativas para não perderem espaço no xadrez internacional. Os chineses, em
maio passado, assinaram com os russos o que passou a se chamar o contrato de
gás do século. Trata-se de importar 38 bilhões de metros cúbicos de gás russo
por ano, durante 30 anos, por um montante total estimado acima de US$ 400
bilhões. Os efeitos sobre as economias chinesa, russa, estadunidense e europeia
são enormes. (segue)