Argemiro Luís Brum
31/10/2019
Dando sequência ao tema iniciado na coluna
passada, é notório que o Brasil, assim como a maioria dos países no mundo,
precisa de fortes ajustes, a começar pelas reformas estruturais em relação ao funcionamento
do Estado. A expectativa é que as mesmas, desde que bem-feitas, não só ajustem
as contas públicas, recolocando o Estado em seu papel de agente socioeconômico
importante, mas igualmente criem as condições de uma melhor distribuição de
renda nacional, a qual elevaria o consumo, o emprego e o bem-estar social em
geral. Por enquanto, de forma lenta, assistimos a um esforço para resolver o
déficit público. A segunda parte, a de gerar um ambiente para uma melhor
distribuição de renda, mais uma vez está se deixando de lado. E, sem ela, logo
adiante, a crise social explode e, dela, será um passo para novos governos
populistas, usando o mote do “tudo pelo social”, instalarem políticas
econômicas que inviabilizem o Estado. É neste sentido que as reformas
estruturais, discutidas agora, precisam urgentemente abrir espaços, igualmente,
para uma equalização da renda dos brasileiros. Não é mais possível manter uma
realidade que: 1) desonera produtos que passam longe da “cesta básica”, como
queijo gorgonzola, iogurtes, chantilly, filé de salmão e ovo de jacaré, a qual,
apenas no ano passado, consumiu R$ 15,9
bilhões do Estado, sendo que só R$ 1,6 bilhão desse valor foi gasto com os 20%
mais pobres, enquanto os 20% mais ricos ficaram com R$ 4,5 bilhões; 2) a grande
maioria dos brasileiros que se aposenta pelo Regime Geral (INSS) recebe em
média, mensalmente, R$ 1.315,85, valor 94% menor do que o maior salário médio
dos servidores da União e 79% menor do que o menor salário médio desses
servidores (cf. ZH, 27/09/19, p. 23); 3) a dita recuperação de empregos
corresponde a jornadas menores, pois hoje apenas 47,1% das contratações são de
semana cheia, contra 73,1% em 2013. Dados de agosto mostram que, em um ano,
houve ganho salarial real de 1,3% para quem trabalha mais de 30 horas semanais,
hoje cada vez menos gente, enquanto os abaixo de 30 horas tiveram perda real de
2,5% e os com jornada de até 12 horas semanais, perda real de 4,5% (cf. Caged);
4) por falta de renda, o número de famílias endividadas no país bateu em 64,8%
em agosto, enquanto as inadimplentes chegavam a 24,3% (o Brasil possui 41% de
cidadãos ativos inadimplentes); 5) o empobrecimento do brasileiro se dá
igualmente pela impossibilidade de aumentar seus ativos. Nos últimos 30 anos,
os cidadãos que conseguiam adquirir e reformar imóveis passaram de 16,5% para
4,1% do total, mesmo com o programa Minha Casa Minha Vida (cf. IBGE); 6) nos
últimos 17 trimestres consecutivos (encerrados em junho/19), ou seja, em pouco
mais de quatro anos, a desigualdade entre ricos e pobres voltou a aumentar no
país. (segue)