Argemiro Luís Brum
27/08/2019
Em meados dos anos de 1980, quando a soja já
avançava para o Centro-Oeste brasileiro e nosso país se tornava um importante
exportador da oleaginosa, me deparei, na Europa, e mais precisamente na França,
com um posicionamento de segmentos da sociedade local que usava o seguinte
slogan: “A vaca do rico come a comida do pobre”. A alusão era de que o Brasil,
avançando a soja sobre grandes imensidões de terra, visando alimentar os animais
europeus (na época, a hoje União Europeia era o maior importador mundial da
oleaginosa), deixava de usar estas terras para produzir alimentos para sua
população, a qual, em boa parte, vivia desnutrida. Por trás deste movimento
estavam as ONGs locais em particular. Na maioria dos casos, com boas intenções,
porém, sem conhecer o tema em profundidade. Trabalhamos muito, durante longos
anos, para mostrar que este discurso europeu, embora na maior parte dos casos honesto,
estava desfocado da realidade, já que a soja, assim como a produção primária em
geral, é a sustentação econômica de regiões inteiras do Brasil (e de outros
países), incluindo também os chamados pequenos produtores rurais. Ou seja, com
sabedoria e tecnologia podíamos sim produzir soja e também alimentar
adequadamente à nossa população. Aos poucos se obteve sucesso neste movimento,
a ponto de o Brasil, hoje, ser o maior produtor e exportador mundial de soja, e
de outros alimentos. Nos falta, de fato, melhorarmos a nutrição humana no país,
pois não conseguimos avançar o suficiente na melhor divisão da renda junto à
população. E ninguém produz para quem não pode pagar! A crise atual na Amazônia
tem semelhanças. O Brasil, infelizmente, nunca conseguiu administrar aquela
região. Com isso, deixamos espaço para o avanço dos mais diferentes interesses,
diante de um Estado nacional incapaz e desinteressado no que a floresta nos poderia
oferecer. Com o tempo, fazendeiros, grileiros e mineradores inescrupulosos, a
maioria brasileiros, passaram a ocupá-la e desmatá-la. Mas não só eles! Muitos
países perceberam a riqueza ali existente e, através também de ONGs, procuraram
firmar pé em território amazônico. Com isso, se misturaram ONGs honestas e com
interesses concretos em defesa do meio ambiente, com ONGs criadas para ajudar
na exploração da floresta e suas riquezas. Diante de um Brasil sem recursos
suficientes para controlar o que lá acontecia, criou-se o Fundo da Amazônia,
dentre outros, com recursos de países como Alemanha e Noruega, para a
realização de um mínimo possível de acompanhamento e proteção à riqueza que
representa aquela região, tanto natural quanto econômica, pois é sabido
cientificamente que a Amazônia regula boa parte do clima mundial, especialmente
aqui na América do Sul. Se, por exemplo, o Sul do Brasil tem chuvas regulares,
clima quase temperado e pode ser grande produtor agropecuário, é muito graças a
ela. (segue)