Argemiro Luís Brum
04/07/2019
O acordo comercial entre o Mercosul e a União
Europeia (UE), assinado pelos poderes executivos dos países membros dos dois
blocos, ainda tem um longo caminho para se concretizar na prática. Portanto,
muito ainda irá acontecer, incluindo mudanças no texto do mesmo, até o comércio
entre as partes efetivamente se liberar. Dito isso, na lógica do
livre-comércio, é de se comemorar a sua assinatura após 20 anos de negociações.
Afinal, a abertura comercial favorece o acesso a produtos mais baratos e a
tecnologias mais avançadas, além de ampliar o tamanho dos mercados para os quais
se vende os produtos. E nenhuma nação no mundo consegue ser autossuficiente em
tudo. Portanto, as mesmas precisam do comércio exterior. Entretanto, antes que
se acredite que isso possa ser a panaceia para o crescimento do Mercosul em
geral e do Brasil em particular, torna-se necessário entender que há enormes
desafios a serem vencidos. O primeiro deles está no fato de que há setores nos
dois blocos que irão perder com o acordo. Na Europa, o setor agropecuário de
alguns países poderá ser muito atingido. É o caso na França e na Irlanda, onde
já começam a despontar fortes resistências ao acordo. Em segundo lugar, o
parlamento de cada país membro, seja na UE, seja no Mercosul, terá que avalizar
o acordo. Assim como na Europa, na Argentina e no Uruguai, pela forte presença
econômica e política do setor primário, isso não será tão fácil, pois nossos
vizinhos poderão sofrer muita concorrência de produtos primários europeus no
qual eles têm sido competitivos (trigo, leite e derivados, carne bovina etc).
Além disso, será preciso cuidar muito, pois uma coisa é abrir o comércio, outra
coisa é impedir que produtos subsidiados na origem, caso da maioria dos
produtos primários europeus, cheguem competitivos aos nossos mercados por este
artifício desleal, destruindo cadeias locais de produção e seus empregos. Em
terceiro lugar, deve-se notar que houve uma aceleração no processo por parte
dos europeus. Por quê? Assim como, lá em 1999 (e mesmo antes), quando as
negociações se iniciaram, e agora, a motivação europeia é contra-atacar a
posição dos EUA. No início, era fazer frente a proposta da Área de
Livre-Comércio das Américas (ALCA), na tentativa de evitar que o Mercosul
ficasse ainda mais à mercê das políticas e interesses estadunidenses, dentro do
que a Conferência de Yalta, que sacramentou em 1945, entre os aliados, uma nova
ordem internacional pós-segunda guerra mundial. Agora, trata-se de dar um
recado aos EUA e sua política comercial protecionista (o governo Trump, após a
China, volta-se novamente para a UE ameaçando tarifar mais de US$ 4 bilhões de
produtos europeus). Assim, muito mais do que comercial, para os europeus o
acordo com o Mercosul entra na lógica geopolítica. Nesse sentido, o desafio é
evitar de sermos muito mais “usados” do que termos vantagens. (segue)